Eu já falei aqui que apesar de ter tido uma gravidez tranquila o fato de ser mãe de anjo me trouxe dificuldade em fazer certas coisas… e falar sobre meu bebê anjo era uma delas. Eu queria ter divido essa experiência antes aqui… mas eu não consegui fazer isso, emocionalmente, antes de ter o meu bebê arco-íris nos braços. Eu nem ia relatar isso aqui no blog, mas eu quis mostrar que é possível passar por algo difícil e evoluir com isso. Segue abaixo o relato do dia mais difícil da minha vida.
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Nossa Despedida – Mãe de Anjo
É muito difícil pra mim lembrar desse dia. O dia em que meu coração ganhou uma cicatriz eterna, e eu, um novo título: O de mãe de anjo.
O dia em que eu vivi a frase que sempre ouvi várias vezes mas nunca levei em consideração: “você só tem o agora, o futuro a Deus pertence”.
Pela manhã eu fiz a rotina que sempre fazia ao ir ao trabalho. Era dia 02.08.2022. Eu completava 16 semanas de gestação e tinha uma ultrassom agendada apenas para saber o sexo do meu bebê.
O exame era pertinho do meu trabalho, como seria às 9:00 horas eu iria andando de lá mesmo. E assim eu fiz.
Quando eu entrei na sala para realização do exame a médica me perguntou se existia algum motivo para o exame e eu disse que não…que seria apenas para ver o sexo.
Ela iniciou o exame e eu não havia percebido nada de estranho pois à medida que ela mexia o aparelho parecia que o bebê estava mexendo.
Notei algo estranho quando ela começou a me fazer perguntas que nunca tinham sido feitas pra mim na gestação anterior.
Perguntou se tinha dado tudo certo na ultrassom das 12 semanas… se eu havia tido alguma infecção. Foi aí que eu virei pra ela e perguntei: doutora meu bebê está morto? Ela balançou a cabeça sinalizando que sim.
Eu não consigo nem descrever o que eu senti naquele momento. Meu mundo foi do céu ao inferno em apenas um minuto.
Parecia que aquilo não era verdade… que aquilo não estava acontecendo comigo… um bebê que havia chegado quando eu achei que não teria mais chances. Eu olhava aquela tela e via aquele montinho lá…paradinho. O mesmo bebê que há um mês atrás estava cheio de vida.
É um sentimento tão difícil de descrever… tão escuro e frio.
A médica tentou me acalmar um pouco… tirou a imagem da tela e me pediu para ligar pra alguém.
Liguei pro meu marido contei tudo pra ele e pedi que ele não mandasse o Gustavo para a escola. Eu queria chegar e abraçar meu filho. Parecia que estar com ele me aliviaria a dor.
Quando eu saí do consultório… sentei na calçada e chorei como nunca tinha chorado na minha vida…fiquei ali nem sei quanto tempo… sem nem me importar com quem passava. Era como se eu não tivesse nem aí pro resto do mundo.
Voltei ao meu trabalho e logo meu colega perguntou se estava tudo bem e eu disse que não… que não tinha mais bebê… ele foi muito gentil… me acolheu… disse que também havia passado por isso.
Eu disse que iria para o consultório conversar com minha médica e ele não me deixou sair sozinha… me levou até lá.
Quando cheguei minha médica me atendeu… conversou comigo… e foi aí que eu entendi que ninguém sabe a dor do outro até sentir a mesma dor.
Minha médica, ainda sem filhos, me disse: calma você pode ter outros. Eu pensei… não importa se eu posso ter mil… esse eu não tenho mais.
Eu já tinha ouvido falar sobre todas as dores que as mães de anjo enfrentam, além da dor de perder seu bem mais precioso. Mas nunca tinha sentido na pele.
Eu disse a ela que queria fazer curetagem que não esperaria um aborto espontâneo… que não aguentaria ficar com meu filho morto dentro de mim.
Ela me orientou como proceder e eu fui pra casa… entrei num ônibus e fui… eu ainda não conseguia acreditar que aquilo era verdade. Até o sol que estava forte naquele dia parecia não aquecer… uma tristeza enorme tomava conta do meu dia e do meu coração.
Foi difícil chegar em casa eu e meu marido choramos várias vezes. Eu olhava pela janela e tentava criar coragem pra explicar ao Gustavo que não teria mais o irmão… era a parte que mais me doía.
Foi difícil mas tentei explicar a ele da forma mais leve possível.
Eu e meu marido ficamos até a noite vivendo só nos dois esse luto, eu tentava não chorar pra que Gustavo não visse… era difícil imaginar que tinha um ser humano sem vida dentro de mim… foi difícil arrumar a bolsa pra ir a maternidade sabendo que eu voltaria sem meu filho nos braços.
A noite ligamos para nossos familiares e contamos o que havia acontecido.
Assim eu fiz, no dia 03.02.2022 dei entrada na maternidade e no dia 04.02 meu pequeno já não era mais parte de mim, pelo menos fisicamente, pois no meu coração e nos meus pensamentos ele está todos os dias até hoje.
Eu ainda não tinha nome decidido, depois de virar mãe de anjo dei a ele o nome de Rafael.
É nítida a diferença de acolhimento de pessoas que já tiveram essa experiência e das que não tiveram. O fato de você ouvir que foi melhor assim… que foi a vontade de Deus… isso me deixava apática.
Como era vontade de Deus? Deus trouxe vida… não morte. Mas hoje eu também entendo essas pessoas… é difícil sentir uma dor que não é sua. É difícil medir o tamanho da dor no outro.
Ser mãe de anjo mudou muita coisa dentro de mim como ser humano. Isso foi a primeira grande mudança que essa perda fez em mim. Não julgar o tamanho da dor de uma pessoa pelo problema. Aprendi a acolher… e não julgar pelo meu olhar.
Eu demorei um tempo pra entender porque isso aconteceu conosco. Mas hoje eu tenho resposta pra muitas das minhas perguntas. E depois de tudo acalmar posso dizer que tudo isso me tornou uma outra pessoa.
É difícil explicar tudo que sinto dentro de mim… só sei que é a coisa mais transformadora que já vivi na vida.
No exame de ultrassom veio descrito que ele teve hidropisia fetal, nenhuma causa foi detectada em exames posteriores de sangue e placenta. Fizemos também o teste genético dele que constatou que ele não tinha alterações genéticas.
Ao Meu Bebê Anjo
Os anos podem passar.
Mas eu sempre vou lembrar.
De um cheirinho que eu não senti.
De um rostinho que eu não conheci.
De um abraço que eu nunca ganhei.
De um beijinho que eu nunca tive.
Outros filhos podem chegar.
Mas eu sempre vou lembrar.
De um “mamãe” que eu nunca escutei.
Das palminhas que eu não bati junto a ti.
Dos primeiros passinhos que eu não vi.
De uma vida inteira que eu perdi.
Eu posso ter um arco íris só meu…
Mas a lembrança da tempestade nunca sairá da minha mente, nem do meu coração.